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Formas inovadoras de citação e intimação dos atos processuais

Equipe MJAB 28.03.24

Com a evolução tecnológica que se passou no Judiciário, outras formas de citação e intimação dos atos processuais passaram a ser consideradas válidas, ainda que não legalmente previstas, em alguns casos, mas com amparo na hermenêutica e na jurisprudência.

Nesta toada, recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (“CNJ”) convocou as empresas privadas para, até o próximo dia 30 de maio, se cadastrarem no chamado “Domicílio Judicial Eletrônico”[1]. Trata-se de uma plataforma digital que irá centralizar todas as comunicações de processos de todos os tribunais brasileiros – 27 Tribunais de Justiça (“TJ”), 6 Tribunais Regionais Federais (“TRF”), Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) e Supremo Tribunal Federal (“STF”).

Essa é uma grande inovação, já que a citação até então era realizada por meio do envio de correspondência com Aviso de Recebimento (“AR”), por oficial de justiça ou por edital, procedimento este que já não acompanhava a evolução tecnológica e a informatização dos sistemas dos Tribunais, frente ao descompasso das inúmeras tentativas frustradas de citação, comprometendo a celeridade e a economicidade processual.

O novo procedimento encontra respaldo na Lei nº 14.195/2021, que alterou o artigo 246, caput e §1º, do Código de Processo Civil (“CPC”) para estabelecer que a citação seja realizada preferencialmente por meio eletrônico nos endereços eletrônicos (e-mails) indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário. Assim, as empresas públicas e privadas são agora obrigadas a manter o cadastro nos sistemas de processo sempre atualizados para efeito de recebimento de citações e intimações.

Essa previsão demonstra a preocupação do legislador em se adaptar à nova realidade digital. Por outro lado, ainda existem alguns critérios para se permitir que a citação e intimação dos atos processuais também ocorra por outros meios meio de canais digitais, tal como e-mail, aplicativos e WhatsApp.

Há pouco tempo, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) entendeu que a citação por aplicativo de mensagem pode ser válida se der ciência inequívoca da ação judicial, pois ainda que não exista previsão legal de citação por meio de aplicativo de mensagens, a comunicação por essa forma poderá ser considerada válida se cumprir a finalidade de dar ao destinatário ciência inequívoca sobre a ação judicial proposta[2].

Nesse sentido, a jurisprudência do STJ tem estabelecido algumas premissas básicas para que a citação e intimação por meio de aplicativos de mensagens como WhatsApp e Telegram sejam consideradas válidas para confirmar a autenticidade do destinatário, quais sejam: i) número de telefone; ii) confirmação escrita; e iii) foto individual do destinatário. Esses requisitos são exigidos pelas turmas que entendem pela possibilidade de ser comprovada ciência inequívoca e devem ser averiguados pelo oficial de justiça[3].

Entretanto, embora parte do STJ aceite que a citação e intimação ocorram por meio de mensagens de aplicativo, outra parte entende que a Lei nº 14.195/2021, a fim de disciplinar a possibilidade de citação por meio eletrônico, isto é, pelo envio ao endereço eletrônico (e-mail) cadastrado pela parte, não contempla a prática de comunicação de atos por aplicativos de mensagens ou redes sociais. Essa matéria é objeto do PLS nº 1.595/2020, em regular tramitação perante o Poder Legislativo[4].

Legislação e Perspectivas Futuras

Na fundamentação do acórdão do REsp nº 2026925 SP[5], a Ministra Nanci Andrighi explica que a identificação e a localização de uma parte com um perfil em rede social são tarefas extremamente complexas e incertas, pois devem ser consideradas a existência de homônimos, a existência de perfis falsos e a facilidade com que esses perfis podem ser criados, inclusive sem vínculo com dados básicos de identificação das pessoas, bem como a incerteza a respeito da entrega e efetivo recebimento do mandado de citação nos canais de mensagens criados pelas plataformas. E, em casos de não localização do executado, a citação pode ser feita por edital.

Com o objetivo de sanar essa divergência, atualmente tramita o PLS nº 1.595/2020[6], que tem por objetivo alterar o CPC para prever a intimação eletrônica por meio de aplicativo de mensagens multiplataforma. O projeto foi proposto pelo Senador Federal Tasso Jereissati (PSDB-CE) e está em fase de recurso na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.

Importa destacar que tramitam em conjunto ao projeto diversos projetos de lei que pretendem implementar: (i) um Sistema Eletrônico Único pelos órgãos do Poder Judiciário – PL nº 7.527/207; (ii) a utilização de sistemas e aplicativos de envio e recebimento de mensagens instantâneas para realização de intimações – PL nº 8.401/2017 e PL n°9.443/2017; (iii) a utilização de meios eletrônicos para comunicação dos atos processuais e a dispensa da colheita de nota de ciência pelos oficiais de justiça – PL nº 5.349/2020, dentre outros projetos que visam modernizar a atuação do Poder Judiciário.

Desafios e Benefícios da Tecnologia no Direito

Diante disso, nota-se que a preocupação do legislador em implementar ferramentas modernas ao processo se justifica pelo fato de a tecnologia ser de grande valia para a eficiência do Poder Judiciário aos cidadãos. Isto porque, seu uso pode trazer celeridade à prestação jurisdicional e reduzir custos referentes ao processo judicial, uma vez que as intimações realizadas de forma mais simples reforçam a garantia de prestação jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva.

Portanto, em breve, as práticas de citação e intimação por aplicativos de mensagens, já permitidas por parte do STJ, tornar-se-ão uma realidade no cenário judicial brasileiro. Conforme visto, a prática transcende os interesses individuais das partes e pode conferir eficiência e credibilidade ao sistema jurisdicional como um todo.

Por Andresa Sena e Yasmim Silveira


[1] Disponível em: https://www.cnj.jus.br/empresas-tem-ate-30-de-maio-para-se-cadastrarem-no-domicilio-judicialeletronico/#:~:text=O%20Domic%C3%ADlio%20Judicial%20Eletr%C3%B4nico%20%C3%A9,processo%20enviadas%20pelos%20tribunais%20brasileiros. Acesso em 18 mar. 2024.

[2] Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/22082023-Citacao-por-aplicativo-de-mensagem-pode-ser-valida-se-der-ciencia-inequivoca-da-acao-judicial.aspx. Acesso em 18 mar. 2024.

[3] Precedentes: (i) HC 652.068/DF, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 24/08/2021, DJe 30/08/2021; (ii) HC 641.877/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, julgado em 09/03/2021, DJe 15/03/2021; (iii) RHC: 159560 RS 2022/0016163-4, Data de Julgamento: 03/05/2022, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/05/2022; (iv) AgRg no HC: 764835 RJ 2022/0259321-1, Relator: Ministro MESSOD AZULAY NETO, Data de Julgamento: 05/09/2023, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/09/2023.

[4] Precedentes: (i) STJ – REsp: 2026925 SP 2022/0148033-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 08/08/2023, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/08/2023; (ii) STJ – EAREsp: 1663952 RJ 2020/0035662-1, Relator: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 19/05/2021, CE – CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 09/06/2021.

[5] STJ – REsp: 2026925 SP 2022/0148033-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 08/08/2023, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/08/2023.

[6] Disponível em: PL 1595/2020 — Portal da Câmara dos Deputados – Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br). Acesso em 19 mar. 2024.