0%
Voltar

CARF decide: amortização de ágio por rentabilidade futura é legítima

Equipe MJAB 18.03.24

Importante Decisão da 1ª Turma da CSRF

Em recente julgado da 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF (“1ª Turma da CSRF”), ocorrido no dia 07/02/2024, importante decisão foi proferida concernente a um dos temas que por muito tempo esquentou – e ainda esquenta – as discussões no âmbito do tribunal administrativo, não apenas pela exposição de bons argumentos e teses objeto de embates entre fisco e contribuinte, mas também por essas discussões envolverem vultosos valores.

O Processo nº 16327.720307/2017-34, da Recorrida B3 S/A – BRASIL, BOLSA, BALCÃO, julgado pela 1ª Turma da CSRF, se encaixa ao perfil acima descrito, na medida em que a discussão tem por fundamento, justamente, um tema caro no tribunal, qual seja, a utilização de laudo de rentabilidade futura para lastrear fusão entre empresas e, nesse caso em particular, entre BM&F e Bovespa Holding ocorrida em 2008, onde os valores autuados ultrapassam a monta de 4 bilhões de reais.

Os fatos analisados no processo se referem a legislação anterior à Lei nº 12.973/2014, ou seja, sob o guarda-chuva do Decreto Lei nº 1.598/77, na qual a exigência era a de que o contribuinte devesse desdobrar o custo de aquisição em patrimônio líquido, ágio ou deságio, ou indicar o fundamento econômico do ágio por meio de demonstração capaz[1].

Nesse contexto, defende a B3 que a incorporação da BM&F foi feita de forma direta e a valor contábil, ao passo em que a da Bovespa Holding foi precedida por incorporação de ações e as trocas de ações ocorreram a valor de mercado, gerando, dessa forma, o ágio em discussão.

Ao analisar a operação da B3, a fiscalização, concluiu por autuar a empresa basicamente por entender que o fundamento do ágio – rentabilidade futura – não restaria demonstrado, e fundamentou a autuação em dois argumentos principais: (i) problemas com as avaliações promovidas, e (ii) pela suposta vedação em uma operação de incorporação de ações, avaliadas a valor de mercado, resultar em amortização e ágio.

Fundamentos do Julgamento e Impactos Jurídicos

Por sua vez, os principais fundamentos de defesa da B3 e que foram, ao fim e ao cabo, aceitos pela 1ª Turma da CSRF foram os seguintes:

(i) Fundamento Econômico vs Preço da Operação – nesse particular, defende que o único e real motivo que levou os acionistas a aprovarem a aquisição de tais ações pelo valor de R$ 17,9 bilhões de reais foi, justamente, a perspectiva de rentabilidade futura da companhia, comprovada e apresentada em laudo de rentabilidade futura elaborado por empresa de auditoria e consultoria especializada.

Importante pontuar que o laudo de rentabilidade futura apresentado tomou por base os preços dos últimos 30 pregões anteriores ao fato relevante que noticiou a operação.

Aliás, esse foi o motivo que levou os acionistas a decidirem pela aquisição de uma companhia por um valor superior ao seu patrimônio líquido.

Acerca da quantificação, defende que, para chegar ao numeral preciso do ágio registrado, partiu-se do laudo elaborado que precificou a negociação em R$ 17,9 bilhões, descontando o valor do Patrimônio Líquido e outros ajustes que juntos chegaram a um patamar próximo a R$ 3 bilhões, chegando assim ao montante do ágio amortizado, que foi devidamente evidenciado e suportado nos documentos contábeis da empresa.

(ii) Inexistência de Vedação ao Aproveitamento Fiscal do Ágio Antes da Incorporação – sobre esse aspecto, defende que, tanto a redação original do artigo 20 do Decreto -Lei 1.598/77, quanto a Lei nº 9.532/97, em nada fazem menção acerca da impossibilidade de aproveitamento fiscal do ágio amortizado contabilmente antes da incorporação.

Em buscar tal impossibilidade de aproveitamento do ágio por meio da lavratura do auto de infração, estaria o fiscal “legislando”, o que é incabível.

No CARF, ao analisar as nuances do caso, a 1ª Turma da 2ª Câmara da 1ª Seção do CARF, deu provimento ao recurso da B3 por entender que as comprovações da rentabilidade futura, sobretudo por meio de laudo específico, no que se refere às reorganizações societárias ocorridas à luz do Decreto Lei nº 1.598/77, só são necessárias em casos específicos, qual seja, em hipóteses de simulação ou suspeita de fraude, o que não se vislumbrou no caso da fusão da B3[2].

Irresignada, a PGFN interpôs recurso especial à CSRF pretendendo a reforma da decisão de piso.

Em julgamento, a 1ª Turma da CSRF do CARF entendeu por negar provimento ao recurso fazendário, reconhecendo a validade das demonstrações financeiras e do fundamento econômico denominado rentabilidade futura lastreado em laudo[3].

Tal decisão levou em consideração a ausência de requisitos para a demonstração do fundamento do ágio na legislação pretérita à Lei nº 12.973/2014; bem como as provas produzidas, não apenas para lastrear a fusão, mas do que à época era prática do mercado; as especificidades do mercado financeiro; bem como a ausência de simulação na reestruturação societária.

A presente decisão representa um relevante precedente para as operações que foram efetuadas no antigo regime que regia o ágio, ou seja, antes da Lei 12.973/2014, no que se refere à demonstração do fundamento econômico da geração do ágio e pode apontar para uma virada de jogo, visto que muito esforço foi despendido pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a fim de elaborar teses com o condão de glosar ágios com base em supostas irregularidades e regras não contempladas em lei.

Apesar de a jurisprudência majoritária do Tribunal, nesses casos específicos de ágios formados na vigência do Decreto 1.598/77, apontar para uma certa inexistência de formalidade quanto a demonstração dos fundamentos econômicos, muito se discute ainda, por exemplo, sobre o momento em que tais documentos são elaborados e apresentados, como é o caso da apresentação do laudo de avaliação de forma contemporânea ou extemporânea à aquisição do investimento.

É certo que as especificidades do caso em comento foram determinantes para o deslinde do julgamento, mas o resultado obtido pelo contribuinte representa uma evolução positiva na jurisprudência do conselho, especialmente para os casos que envolvam a utilização de laudo de rentabilidade futura para lastrear fusão entre empresas.

Como se pode notar, trata-se de importante precedente.

amortização de ágio


[1] Art. 20, do Decreto Lei nº 1.598/77:Art 20 – O contribuinte que avaliar investimento em sociedade coligada ou controlada pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em:
I – valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no artigo 21; e

II – ágio ou deságio na aquisição, que será a diferença entre o custo de  aquisição do investimento e o valor de que trata o número I.

2º – O lançamento do ágio ou deságio deverá indicar, dentre os seguintes, seu fundamento econômico:

a) valor de mercado de bens do ativo da coligada ou controlada superior ou inferior ao custo registrado na sua contabilidade;

b) valor de rentabilidade da coligada ou controlada, com base em previsão dos resultados nos exercícios futuros;

c) fundo de comércio, intangíveis e outras razões econômicas.

[2] Acordão nº 1201-003.202 – 1ª Seção de Julgamento / 2ª Câmara / 1ª Turma Ordinária.

[3] Acórdão nº 9101-006.837 – CSRF / 1ª Turma.


Por Filipe Distreti