As relações contratuais com a reforma do Código Civil
A reforma do Código Civil, em debate desde 2023, pretende positivar interpretações jurídicas importantes e destacar a raiz principiológica em que se devem pautar as relações contratuais, enquanto fruto de uma convergência de vontades entre duas ou mais partes.
Nesse sentido, o anteprojeto do novo código busca reforçar os ideais já praticados, como, por exemplo, os princípios da autonomia da vontade, da função social do contrato, do consensualismo, da relatividade, da obrigatoriedade e da boa-fé objetiva.
Princípios contratuais reforçados pelo Novo Código
De amplo conhecimento e trato no ordenamento jurídico, o princípio da autonomia da vontade dita a liberdade de contratar das partes envolvidas, ao passo que o princípio da função social do contrato limita essa liberdade.
O princípio do consensualismo situa o acordo de vontade como premissa para gerar o contrato, enquanto o princípio da relatividade dispõe que a avença apenas vincula as partes envolvidas, salvo raras exceções, no que tange aos efeitos do contrato.
Ainda, o princípio da obrigatoriedade dita que o contrato somente é lei entre as partes, e o princípio da boa-fé objetiva preconiza que se deve dar relevância mais à intenção do que ao sentido literal da linguagem.
Tais preceitos fundamentais já regem as relações contratuais de modo amplo, mesmo que não sejam raras as discussões judiciais em torno dos contratos. Logo, o anteprojeto do novo código, dentre outras mudanças, busca reforçar tais princípios em compasso com as recorrentes decisões dos Tribunais Brasileiros.
Novidades propostas pelo anteprojeto
Para o Ministro Luis Felipe Salomão, que presidiu a comissão de juristas responsável por apresentar o anteprojeto de revisão do Código Civil, “Nós temos princípios que são excelentes no nosso Código Civil. Tem segurança jurídica, e nós pretendemos manter isso. O que nós estamos trabalhando é na atualização, dadas as mudanças da sociedade nesses últimos tempos”[1].
Cessão da posição contratual
Como exemplo, o texto proposto inclui um capítulo específico para a cessão da posição contratual, reforçando o princípio do consensualismo no art. 303-A, o qual preceitua que “Qualquer uma das partes pode ceder sua posição contratual, desde que haja concordância do outro contraente”.
Prestigia também o princípio da relatividade do contrato ao dispor no art. 303-C que “O cedente garante ao cessionário a existência e a validade do contrato, mas não o cumprimento dos seus deveres e obrigações”.
Cláusula penal nos contratos paritários
Além disso, o legislador busca dar uma maior autonomia às partes vedando a redução do valor da cláusula penal pelo Judiciário, nos contratos paritários:
“Art. 413. ……………………………………………………………………….
Parágrafo único. Em contratos paritários e simétricos, o juiz não poderá reduzir o valor da cláusula penal sob o fundamento de ser manifestamente excessiva, mas as partes, contudo, podem estabelecer critérios para a redução da cláusula penal.”
Liberdade contratual e revisão mínima
Ademais, reforça a ideia da liberdade contratual nas relações em que as partes estejam em igualdade de condições:
“Art. 421. ……………………………………………………………………….
- 1° Nos contratos civis e empresariais, paritários, prevalecem o princípio da intervenção mínima e da excepcionalidade da revisão contratual.
- 2° A cláusula contratual que violar a função social do contrato é nula de pleno direito.”
Princípios de confiança, probidade e boa-fé
Em relação ao princípio da boa-fé, o texto prevê a observância deste também nas fases pré e pós contratuais:
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar os princípios da probidade e da boa-fé nas tratativas iniciais, na conclusão e na execução do contrato, bem como na fase de sua eficácia pós-contratual.
Inclusive, o texto eleva os princípios da confiança, da probidade e da boa-fé à condição de ordem pública no art. 422-A: “Os princípios da confiança, da probidade e da boa-fé são de ordem pública e sua violação gera o inadimplemento contratual.”
Definição de contratos de adesão
Ainda assegura a aplicação dos princípios aqui destacados nos contratos de adesão, que agora ganham um conceito legal:
“Art. 423. A expressão “contrato de adesão” engloba tanto aqueles cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente, como aqueles em que as cláusulas sejam estabelecidas unilateralmente por um dos contratantes, sem que o aderente possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.
Conclusão: segurança jurídica e menor judicialização
Portanto, no tocante às relações contratuais, o anteprojeto do novo Código Civil parece querer reforçar o que a doutrina e a jurisprudência já preconizam, com a fixação de alguns critérios e conceitos embasados nos princípios já existentes, em proveito da segurança jurídica e do propósito inicial dos negócios. Ainda dá destaque às relações paritárias para que necessitem de interferência cada vez menor do Judiciário, desestimulando-se a judicialização em prol da autocomposição.
Por Andresa Sena
[1] Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/09/28/comissao-de-juristas-que-atualiza-codigo-civil-aprova-plano-de-trabalho . Acesso em 12 jun. 2024.
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