0%
Voltar

Advocacy Brasil – Análise de Cenário

MJAB 28.09.17

Uma crise institucional de raros precedentes paira sobre o País.
Como amplamente divulgado, o Presidente do Conselho de Administração do

frigorífico JBS, Wesley Batista, entregou uma gravação à Procuradoria-
Geral da República (“PGR”), cujo conteúdo indica que o Presidente da

República Michel Temer teria dado aval para que fosse repassado dinheiro
à família do ex-Deputado Eduardo Cunha, com vistas a inibir que negocie
colaboração premiada à Justiça. Esta conduta imputada ao Presidente pode
ser interpretada como tentativa de obstrução à Justiça, vedada legalmente.
Diante da gravidade das revelações, faz-se necessária uma cuidadosa
análise dos aspectos jurídicos e políticos que contornam a questão,
conforme será visto a seguir.

  1. Uma Descrição Jurídica

Em específico, algumas possibilidades constitucionais devem ser
verificadas para se vislumbrar possíveis desdobramentos jurídicos da
situação.

❖ A Renúncia: por ato de vontade do próprio Presidente da República,
implica afastamento imediato e vacância do cargo. Não há previsão na
legislação do ato ou do procedimento da renúncia. A Constituição
prevê a sucessão do cargo em decorrência da vacância (art. 81).

❖ Impeachment: nos casos de crime de responsabilidade, a competência
para o julgamento é do Senado Federal. Nos casos de crime comum
cometido durante o mandato, o julgamento será realizado pelo Supremo
Tribunal Federal (“STF”). Em ambos os casos, seu processamento
depende da admissão da acusação por dois terços da Câmara dos Deputados.

Hoje, não há denúncia formal contra o Presidente, mas há
a autorização para instauração de um inquérito perante o STF, ao
final do qual haverá apreciação dos documentos e provas pelo
Ministério Público, decidindo-se pela apresentação ou não de
denúncia.

❖ Cassação do diploma da chapa Dilma-Temer: O processo tramita no
Tribunal Superior Eleitoral (“TSE”) desde 2014, com a acusação de
abuso do poder econômico e político durante a campanha eleitoral
(art. 74 da Lei 9.504/1997). O julgamento foi iniciado em 04/03/2017
e interrompido, com retomada prevista para o dia 6 de junho. Em
princípio, serão realizadas quatro sessões para apreciação do tema
e, para que haja a cassação, é necessário o acolhimento do pedido
pela maioria dos Ministros (art. 25 do Regimento Interno), o que só
terá consequências práticas após o trânsito em julgado do respectivo
acórdão (art. 27 do Regimento Interno).

Acaso concretizada qualquer das situações acima, haverá a sucessão do
Presidente da República, de modo a desencadear, nos termos constitucionais,
uma de duas hipóteses: eleições diretas ou indiretas.

Em caso de vacância ou impedimento no cargo, haverá eleições diretas em
90 (noventa) dias. Caso a vacância ocorra dentro dos últimos 2 (dois) anos
de mandato, as eleições devem ser realizadas de forma indireta (art. 81,
“caput” e §1o da Constituição)

Ou seja, de acordo com a Constituição, havendo vacância (por renúncia,
impeachment ou afastamento do cargo por denúncia de crime comum), devem
ser feitas eleições indiretas pelo Congresso Nacional. O rito seguirá Lei
no 4.321/1964: as eleições indiretas serão convocadas por quem se encontre
na Presidência do Senado, realizadas por escrutínio secreto e dependerão
de aprovação por maioria absoluta dos membros do Congresso.

A única previsão de eleições diretas aplicável ao caso seria pela
cassação do diploma via decisão transitada em julgado da Justiça Eleitoral,
conforme art. 224, §§ 3o e 4o do Código Eleitoral, desde que a vacância
se dê a mais de 6 (seis) meses do final do mandato. Discute-se, no entanto,
a validade desse dispositivo, inclusive por meio de ADI proposta pelo
Procurador-Geral da República (ADI 5.525). Acaso declarado
inconstitucional o referido dispositivo, prevalecerá a regra das eleições
indiretas prevista na Constituição para os casos de vacância.

Afora esse caso, qualquer proposta de eleições diretas exige prévia
aprovação de Proposta de Emenda à Constituição nesse sentido, a exemplo
da PEC no 227/2016, do Deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), que tramita na
Câmara com o intuito de se alterar o referido art. 81. Acaso admitida pela
Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC), a proposta será
encaminhada à Comissão Especial para apreciação do mérito e, em seguida,
enviada ao Plenário para votação em dois turnos, com intervalo de 5 (cinco)
seções entre cada votação (art. 202, §§ 2o e 6o, do Regimento Interno).

O mesmo procedimento será adotado no Senado Federal, de modo que, para
aprovação final, o mesmo texto deve contar com o apoio de 3/5 dos
parlamentares em ambas as casas (art. 60, §2o, CF).

Qualquer que seja o procedimento adotado para a realização das eleições,
no intervalo entre a vacância do cargo e a celebração de compromisso do
novo Presidente, o exercício da Presidência ficará sucessivamente com os
Presidentes da Câmara dos Deputados; do Senado Federal ou do Supremo
Tribunal Federal. Dessa forma, o Deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) deverá
exercer a Presidência da República caso seja concretizada qualquer das
hipóteses acima aventadas.

Vale ainda destacar que, conforme definido pelo STF na ADPF 402, uma das
condições para que autoridade da linha sucessória exerça o cargo de
Presidente da República é a ausência da condição de réu em ação penal.

Dessa forma, sobrevindo essa condição a qualquer das autoridades da linha
sucessória, automaticamente será transferida a incumbência do exercício
temporário do cargo para a autoridade seguinte na ordem da linha
sucessória.

2. Uma Análise Política

Como visto, o cenário em exame possibilita a aplicação de diversas normas
e interpretações, cujas consequências jurídicas e políticas variam de caso
a caso.

Primeiramente, em pronunciamento oficial, o Presidente Temer descartou
a possibilidade de renunciar ao mandato. Contudo, a nosso ver, isto pode
voltar a ser cogitado, a depender da dinâmica processual, especialmente
se o conteúdo das gravações citadas pela imprensa, feitas por Joesley
Batista, for interpretado como incisivo, no sentido de incriminar o
Presidente.

A gravação divulgada comprova a reunião com o empresário, oportunidade
em que o Presidente tomou conhecimento de que valores eram repassados às
famílias de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, para inibir que estes firmassem
acordo de colaboração premiada. O Presidente negou ter repassado ou ter
autorizado o repasse de valores a estas pessoas, razão pela qual parece
ser remota a hipótese de um pedido próprio de afastamento.

Com relação a eventual impeachment, assim como ocorreu no processo da
ex-Presidente Dilma, será necessário avaliar o desenvolvimento das etapas
do processo, sob o enfoque do trâmite regular e eventuais intervenções do
STF, sobretudo do comportamento dos parlamentares em apoio ao Presidente
Temer. Neste ponto, destaca-se a função do Presidente da Câmara dos Deputados na abertura de processo de impeachment, em um contexto de
declarado apoio ao Presidente da República.

Na esfera judicial, acerca da ação em que se pleiteia a cassação da
Chapa Dilma-Temer no âmbito do TSE, seja qual for a medida adotada entre
aquelas que elencamos, a tendência é de que a defesa do Presidente
intensifique a atuação para que ele seja julgado de forma apartada à chapa,
visando a sua absolvição. Com efeito, um posicionamento do TSE favorável
a Temer poderia suscitar argumentos que o fortaleceriam politicamente.
Em qualquer dessas possibilidades, um fator importante a ser considerado
é a postura adotada pelo Parlamento. Apesar de a Casa Legislativa
constituir-se de ampla maioria da base do governo, o que deve prevalecer
é uma postura de reconhecimento de independência e unicidade do Poder
Legislativo.

Há notícia de que está em formação um grupo parlamentar suprapartidário
dedicado à continuidade do avanço da agenda governamental e de reformas
políticas e econômicas.

Paralelamente, já há alguns sinais de distanciamento de aliados em
relação ao Presidente Temer, por exemplo, com a renúncia ao cargo por
parte do Ministro Roberto Freire (PPS-SP); assim como o pronunciamento do
Senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) apoiando a realização de novas eleições.

Sobre este ponto, apuramos que o núcleo próximo ao Presidente Rodrigo
Maia possui afinidade com a tese de eleições indiretas, a respeito do que
podem ser iniciadas as indicações de nomes para disputar o pleito, pelo
menos no âmbito deste grupo.

O fato é que todas estas possibilidades criam instabilidade na atividade
pública, provocando discussões processuais que consomem tempo na agenda
governamental, além de gerar insegurança no avanço de tratativas para
aprovação de proposições legislativas. Como exemplo, vale lembrar que,
durante o processo de impeachment da então Presidente Dilma, o número de
proposições apreciadas no Congresso Nacional reduziu de forma
significativa, visto que os parlamentares estavam dedicados à solução da
crise institucional. Tal comportamento é observado também em outras esferas
do Governo, tais como ministérios e agências reguladoras, que procuram
reter medidas ousadas justamente em razão da instabilidade institucional.

Como sinal desta estagnação da atividade parlamentar, decorrente destas
denúncias, o Senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) já anunciou que suspendeu
o calendário de discussões sobre a Reforma Trabalhista, da qual é Relator.
O mesmo foi feito pelo Dep. Arthur Maia (PPS-BA), Relator da Reforma da
Previdência, até porque são temas cuja complexidade enseja divisões
partidárias de difícil resolução em um ambiente de crise política.

A propósito, este contexto pode viabilizar a aceleração da Reforma
Política, cujo debate se relaciona às questões veiculadas pelas denúncias e sua aprovação poderia estabelecer novas regras já para as eleições de
2018.

Retornando ao tema da estagnação da atividade parlamentar, a tendência
é que, em razão disto, haja um atraso na retomada do crescimento econômico,
não apenas pela postergação das Reformas Trabalhista e Previdenciária, que
poderiam refletir positivamente nos números, mas também porque a própria
crise institucional prejudica os indicadores. Prova disto é a oscilação
de desempenho das bolsas de valores e a desvalorização do Real ao longo
do dia da divulgação das denúncias, isto sem falar nos impactos sobre a
inflação, as taxas de juros e a confiança dos investidores.

Talvez em razão disto, tem ganhado força um movimento para que a equipe
econômica seja mantida, mesmo na hipótese de sucessão presidencial, o que
parece ser um desejo geral do mercado para a estabilização.

Todas estas hipóteses estão sujeitas a variáveis a serem observadas,
tais como o dinamismo inerente à política, as eventuais intervenções do
Poder Judiciário e, sobretudo, os desdobramentos da investigação
relacionada às denúncias. Atualmente, há certo consenso no mercado e na
academia de que estes desdobramentos dificultam previsões exatas,
principalmente porque o fator surpresa é requisito para o êxito da
investigação.

De todo modo, qualquer que seja o cenário, jamais a variação política
poderá sobrepor-se à Constituição e às Leis vigentes. O processo
democrático é dinâmico, porém o respeito ao ordenamento jurídico não é
negociável. O arcabouço normativo e os precedentes judiciais devem ser
observados, ao mesmo tempo em que os instrumentos da democracia permitem
e ensejam a atualização dos enunciados.

E é nesta fundamental dinâmica entre a política e as leis que se
fundamenta o Estado Democrático de Direito.